Por RFI
Publicada em 07/10/2019 às 14h40
Por que banheiros públicos femininos ainda são raros? Embora mictórios masculinos sejam comuns e facilmente encontrados pelas ruas das grandes cidades, locais exclusivos para mulheres urinarem em espaços públicos ainda são insuficientes ou até mesmo inexistentes. Com o objetivo de lutar contra essa desigualdade, mulheres da França se mobilizam e inovam em suas propostas com um simples objetivo: o direito das mulheres de fazerem xixi.
Em comum entre todas as criadoras, situações que elas mesmas, como todas as mulheres, enfrentam no dia a dia. Filas imensas em banheiros femininos, em eventos como shows e festivais, ou a inexistência de mictórios públicos para mulheres nas ruas.
“A situação é extremamente degradante para as mulheres, se a compararmos com a dos homens. Para começar, em qualquer lugar, eles têm banheiros exclusivos para fazer xixi. Além disso, a quantidade mictórios masculinos é imensa: eles estão por tudo!”, observa a arquiteta francesa Gina Perier.
Trabalhando com instalações em um festival da Dinamarca, ela e o arquiteto dinamarquês Alexander Egebjerg tiveram a ideia de criar para as mulheres algo similar ao mictório público masculino de três lugares, comum pelas ruas de países europeus. Com o estudo da utilização de banheiros para homens nasceu o Lapee: um espaço protegido, ecológico, higiênico e exclusivamente feminino.
“Olhávamos para esse mictório masculino e pensávamos: precisamos encontrar sua versão feminina. Então, pegamos esse modelo e o adaptamos às mulheres. Ou seja, o fabricamos, o transportamos e o limpamos da mesma forma. A diferença é que o Lapee foi pensado para o corpo e a forma como as mulheres fazem xixi", salienta.
Segundo Gina, a prioridade no momento da criação do Lapee foi a eficácia do mecanismo, de forma que as mulheres pudessem utilizá-lo de forma rápida. Cada mictório conta com três compartimentos sem porta e sem cobertura, com paredes de proteção de 1,65m. No centro de cada um deles, um sistema comum para evacuação da urina, ligado a um reservatório com capacidade de 1.100 litros.
Um só propósito
"Desenhamos um banheiro suficientemente íntimo unicamente para fazer xixi, não para outras finalidades. Cabe apenas uma usuária por vez em cada compartimento e o objetivo é utilizar esse espaço rapidamente. Fizemos a comparação durante um festival de música na Dinamarca nesse ano e chegamos à conclusão de que um Lapee é mais eficaz e utilizado mais rapidamente do que seis banheiros tradicionais", afirma a arquiteta.
Além da Dinamarca, Lapee já está sendo utilizado em eventos na Noruega e na França. A empresa está sendo convocada não apenas para fornecer mictórios para festivais de música ou shows ao ar livre, mas também em competições esportivas. O próximo evento onde as mulheres poderão testar o mictório criado pela dupla franco-dinamarquesa é a Maratona de Toulouse, no sul da França, em 20 de outubro.
A iniciativa deu certo: Gina e Alexander são frequentemente elogiados pelas parte das usuárias. "Recebemos muitas mensagens de reconhecimento por e-mail, Facebook, Instagram de mulheres que dizem que Lapee mudou a vida delas durante festivais, shows e outros eventos. Recentemente, na Meia Maratona de Copenhague, várias atletas vieram nos agradecer pessoalmente. No entanto, quando apresentamos o mecanismo a mulheres que não estão habituadas a esse tipo de eventos exteriores, a reação não é a mesma. É verdade que precisamos educá-las para acabar com o tabu em relação aos mictórios femininos", reconhece.
Fila de espera dos banheiros femininos
“Por que a fila de espera dos banheiros das mulheres é sempre a maior?”: com base nesse questionamento, Nathalie des Isnards resolveu conceber o madamePee, mictório para mulheres que vem sendo utilizado em grandes eventos exteriores na França.
Adepta de grandes festivais de música frequentado por dezenas de milhares de pessoas, a jovem começou a se questionar porque chegava a passar até meia hora na fila de espera do banheiro feminino. Enquanto isso, seus amigos demoravam, em média, dois minutos para usar os mictórios masculinos. Foi durante um jogo de futebol em um estádio que Nathalie obteve a resposta para esse enigma.
“Neste dia, a fila de espera dos homens estava imensa. Fiquei curiosa e fui olhar o que acontecia nos banheiros masculinos. Então percebi que não havia mictório, apenas banheiros fechados. Foi aí que me dei conta que a presença de um local de fácil acesso para fazer xixi fazia toda a diferença”, conta.
Por isso, a prioridade de Nathalie no desenvolvimento de sua criação foi a rapidez para a utilização. Segundo ela, pesquisas mostram que o tempo de espera das mulheres nos banheiros públicos é 30 vezes maior do que o dos homens.
A higiene do local foi outra característica essencial no desenvolvimento do madamePee. A porta de acesso do compartimento não tem fechadura, de forma que a mulher evite utilizar as mãos para entrar e sair. Já o vaso é maior, de forma que a usuária não precisa se agachar completamente, dimuindo o risco de contaminação de bactérias. Não há descarga, o que evita também o desperdício de água.
Nathalie contabilizou o tempo médio de utilização do mecanismo e como o Lapee, o uso do madamePee também é seis vezes mais rápido do que banheiros públicos convencionais. Não é à toa que o mecanismo foi adotado em eventos importantes na França, como a Copa do Mundo de Futebol Feminino e célebres festivais de música, como o We Love Green e o Solidays, em Paris.
“Meu objetivo principal era reduzir essa desigualdade que considero escandalosa. Eu ouvia com frequência que as mulheres enfrentam esse problema porque não podem fazer xixi em pé – isso não é verdade. O que acontece é que simplesmente não temos estruturas suficientemente adaptadas para nós”, resume a empreendedora.
Mulheres fazem xixi em pé
A francesa Magali Chailloleau é responsável pela criação do Pissedebout, primeiro urinol para mulheres inteiramente fabricado na França. À RFI, ela contou que a ideia de popularizar esse mecanismo que já existe há décadas começou em uma saída entre amigas, há alguns anos. Uma delas era adepta à utilização do urinol, chamado na França de "pisse-debout" (urinar em pé), o que fascinou o grupo e foi o ponto de partida para Magali.
Tentada a experimentar o acessório, a jovem empreendedora se deparou com a dificuldade de encontrá-lo na França. Por isso, quando fundou a empresa, a ideia inicial era importar o urinol canadense. Com o sucesso nas vendas, Magali resolveu conceber seu próprio modelo, de forma ecorresponsável e em duas versões: descartável (feito de papel sem produtos químicos) e reutilizável (feito de bioplástico rígido).
O mecanismo é simples: o urinol é posicionado diante da uretra, permitindo que a urina seja eliminada através de uma espécie de cano: uma ideia parece ter conquistado as francesas. Desde 2013, Magali contabiliza mais de 210 mil vendas do Pissedebout, que é comercializado por meio do site da empresa, mas também revendido em cerca de 250 estabelecimentos na França.
"Cada vez que falo sobre o assunto publicamente, as mulheres são unânimes em afirmar que já tentaram fazer xixi em pé ou sentiram inveja do pai, do irmão, ou do companheiro, que podem urinar facilmente sem se agachar. Com o Pissedebout isso é possível", afirma.
Entre as principais adeptas do Pissedebout, estão jovens que participam frequentemente de festivais de música e outros eventos ao ar livre, mulheres da terceira idade que têm dificuldade para se agachar e também pais e mães de meninas que ainda não conseguem usar o vaso sanitário sozinhas, além de pessoas transsexuais.
"Essa é uma forma de facilitar a vida das mulheres e promover a igualdade também. Afinal, enquanto os mictórios masculinos são vistos como uma necessidade e estão por tudo, os banheiros públicos femininos são raros por serem encarados como um gasto extra para prefeituras", observa Magali.
Segundo uma pesquisa realizada em 2013 na França, 87% das mulheres reconheceram que hesitam em utilizar banheiros públicos. Nove a cada dez francesas prefere não urinar fora de casa, um hábito que aumenta o risco de desenvolver infecções urinárias e cistites.